Mãe.Trabalhar. Não. Aqui.

Palavras. Palavras. Palavras. Gosto tanto delas. De escrevê-las. Às vezes vou à infopédia. Às vezes o corretor ortográfico baralha-me. Às vezes zango-me com o acordo. São palavras, senhor! Palavras que parecem rosas. Às vezes fazem-me rir. Outras vezes suar. E são as palavras que correm na boca da minha filha. Assim em velocidade. Palavras soltas que ela entende. E que encadeia para comunicar. Não existem verbos. Para quê? Bastam as ideias. Bastam as palavras soltas. E bastam as expressões. Também não existem tempos. O tempo é só um. O presente. Tão bom. Porque havemos de crescer e olhar para o relógio? São palavras novas. Umas bem soletradas. Outras assim, assim. E muitas inventadas. Originais. Muitas palavras que significam muito. Outras palavras que apenas significam para ela. E nós dizemos que sim. Porque não sabemos como reagir. Palavras que ela já não usa isoladamente. Já desencadeia ideias. Mesmo que abdique dos pronomes. Mas comunica. E aumenta a dificuldade quando usa palavras mais criativas. Mas nessa altura é a expressão que a safa. Ou pelo menos ela tenta. Esforça-se. Não se deixa ficar. Também repete. Muito. Até lá chegar. E andamos nisto. Entre palavras. Palavras cheias de tudo. De amor. De orgulho. De interrogações. Palavras. Palavras. Palavras. Que se atropelam. E que nos aproximam cada vez mais. Mas senti falta delas. Já estou a recuperar. Mas andei a trabalhar. Mais do que o habitual. Dias sem parar. E foram menos horas com a Alice. Foram menos palavras dela. E houve um fim de semana em que apenas nos apertávamos de manhã. Quando a levava para a minha cama. Ainda a dormir. Sem querer desapertar. Ali ficávamos as duas. Coladas. Coladas. Coladas.  Ela ainda não conhece esta palavra, mas de certeza que a sente. E assim ficámos breves minutos. Juntas. E na minha ausência, trabalhar foi a palavra mais utilizada para falar de mim. Mãe. Trabalhar. Mãe. Trabalhar. De tal forma que quando lhe perguntei pela Bia que não vi na escola, ela me diz: Bia. Trabalhar.  De tal forma que na segunda-feira aproveitei para a apertar. Mais do que o habitual. Ficámos juntas na cadeira. Foi bom. Senti-la. Ouvi-la. Mãe. Trabalhar. Não. Aqui. Percebem porque não precisamos dos verbos? Nem dos pronomes?  Crescemos e complicamos. E naquela manhã, a Alice soube dizer que eu não estava a trabalhar. Que estava ali com ela. E que ali queria que ficássemos. Mas seguimos. Atrasadas. Abraçadas. Choramingámos as duas na hora de ficar. Mas disse-lhe que ia buscá-la. Acho que percebeu. E consegui. Já só sobrava ela na sala. E foi bom ouvir. Mãe. Aqui.  

Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares